sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Não olhei para trás!

Não tive a noção do tempo a passar, porque entre o momento em que o olhei pela última vez até chegar a casa, não estive plenamente consciente, sentia-me adormecida. O aperto que sentia no peito não se comparava com nada que alguma vez tivesse sentido, sentia um vazio, o vazio de quando estás só, onde a dor é tão funda que não consegues impedir que as lágrimas te escorram e inundem o rosto. O nó que sentia no peito deixava-me sem ar, sentia as pernas pesadas, e tornava-se dificil colocar um pé á frente do outro e seguir o meu caminho. Não me recordo de como cheguei até ao carro, apenas me recordo da última vez que o olhei olhos nos olhos, do último beijo, de como as nossas mãos entrelaçadas uma na outro se iam descolando pouco a pouco, enquanto cada um de nós se ia movendo em direcções opostas.

Não olhei para trás.

Durante os minutos que durou a viagem de regresso a casa, a minha vida estagnou. Tudo á minha volta parecia ter parado. Eu não reagia a nada, nem aos sons ou imagens à minha volta. Sentia uma tristesa violenta nas mãos, nos joelhos no peito, na cabeça, nos lábios, nos olhos. Fixei o meu olhar num ponto qualquer enquanto as lágrimas corriam pela cara. Liguei o rádio do carro.

Fechei os olhos!


Dedicado a ti, Daniel ^^

[Sophie]

O vazio

A melancolia pode às vezes ser isto, um modo de sobreviver ao vazio, o comovido jeito de pôr a mão sobre o mármore da mesa e pedir outro martini fresco se faz favor.
[Manuel de Freitas]

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Introdução

Odiava pessoas.

Era assim que definia o mais profundo dos seus sentimentos, todos eles movidos pela inveja. Odiava pessoas pequenas, gordas, feias ou estúpidas, mas sentia fascínio por mulheres. As mulheres ainda eram para ele um grande mistério. Fascinavam-no. Despertavam qualquer coisa que nem ele próprio conseguia decifrar. A beleza não a conseguia encontrar com a facilidade que as pessoas ditas normais a encontram, aquilo que procura num primeiro olhar sobre cada mulher, são defeitos.

Toda a sua vida viveu isolado, solitário.

Vivia num casarão, num monte, algures no Alentejo. Em redor apenas se viam o monte e o céu, de onde todas as noites de verão se conseguia ver perfeitamente as constelações. O casarão encontrava-se praticamente vazio, com as paredes escuras, sujas e pouco iluminadas, onde qualquer estranho se perderia facilmente na sua imensidão. Apenas uma divisão da casa parecia ser usada pela presença de uma mesa mal iluminada por um candeeiro já velho, onde estava pousado um computador também ele já velho. Esse era o objecto que o ligava ao mundo, que o fazia sentir parte do mundo, que o fazia sentir alguém, um mundo que somente imaginava, uma vez que apenas conhecia a casa onde vivia, sendo a sua única verdadeira companheira, uma coruja que todas as noites aparecia junto da árvore que, em dias de sol intenso tipico do Alentejo, lhe fazia sombra á casa.

A aldeia mais proxima ficava a 79 quilómetros. Uma vez por mês aventurava-se a sair de casa em pleno dia para se abastecer dos bens de primeira necessidade, sendo essa a única ocasião em que deixava os raios de sol tocar a sua pele.

Preferia a noite e os seus mistérios.

Continua.

[Sophie]