O vento sopra os meus cabelos com urgência como se os quisesse arrancar. O vestido branco que uso, cobre-me os pés descalços e esvoassa como se a qualquer momento fosse levantar voo. Não sei há quanto tempo aqui estou, nem sei mesmo como aqui cheguei. Quando tento recordar-me dos meus passos, apenas vejo uma névoa branca que me cega, que me enche de um vazio que me suga a alma, que me faz sentir perdida num mundo que não reconheço. Apenas me lembro de aqui estar, agora, no momento presente, como se não tivesse tido um passado. Ali, eu era apenas um corpo solitário, vazio, perdido, ausente de tudo e de todos.
A distância de um passo, é o que me separa do precípicio. Com os meus pés descalços sobre o parapeito do telhado, sinto o vento soprar cada vez com mais força, tornando a distância do precipicio cada vez menor pela instabilidade que ele provoca no meu corpo fraco. Sinto-me leve. Sinto como se o meu corpo pudesse levitar, como se eu tivesse asas e pudesse voar. O meu pé direito move-se lentamente sem que eu dê pelo seu movimento.
A liberdade que a inexistência de um passado me dá, faz-me não temer nada, nem mesmo de deixar o meu corpo cair no precicipio, mesmo debaixo dos meus pés. Naquele momento, acreditava que a minha queda seria silenciosa, sem o mínimo múrmuro ou pequeno som que fosse. Afinal de contas quando não se tem nada, o medo da perda torna-se absurdo.
Fecho os olhos devagar e saboreio agora a sensação do vento a beijar a minha cara, de um forma tão intensa como se nunca o tivesse sentido antes. Não me lembro se alguma vez o senti antes. Não me lembro de nada. É como se tivessem roubado de mim todas as memórias que tinha guardadas, num espaço qualquer do meu cérebro, como se tivessem apagado todo e qualquer sentimento que possa alguma vez ter sentido. Tenho em mim agora um vazio, que se apodera do meu corpo e da minha alma.
O tempo nesse instante parou. Não sentia o tempo passar. Não só eu, mas também o mundo parecia vazio de sentimento, de memórias, de pessoas, também ele solitário. Até que o dia começa a nascer. A luz vai crescendo, a pouco e pouco, de intensidade. O nascer do sol ilumina a cidade e desperta a vida no mais pequeno ser vivo. Tudo parece agora diferente á minha volta, já não estou só, já não me sinto só. Tento decifrar os sons á minha volta que vão crescendo de intensidade, á medida que a luz do dia revela a paisagem á minha frente. Ouve-se agora cada vez com maior nitidez o chilrear dos pássaros, o som do vento a bater nos ramos das árvores altas, o som do rio a seguir o seu curso, o barulho dos carros, as vozes das pessoas, os gritos das crianças...abro os olhos de repente, quero ver, quero sentir tudo intensamente, preciso sentir. Olho tudo como se fosse a primeira vez.
Recuo um passo.
Continua...
[Sophie]